Rastreio de embriões na FIV: tudo o que precisa de saber

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23 Abr 2025
Imagem microscópica de um blastocisto utilizado no rastreio genético de embriões durante a fertilização in vitro (FIV), para detetar alterações cromossómicas ou genéticas

Uma ferramenta poderosa

O rastreio de embriões é uma ferramenta poderosa utilizada nos tratamentos de fertilização in vitro (FIV).  Permite verificar se os embriões apresentam alterações cromossómicas ou genéticas antes de serem transferidos para o útero.

Estas alterações podem causar problemas como falha na implantação, aborto espontâneo ou doenças, como a síndrome de Down ou a fibrose quística.

Nem todos os pacientes precisam de fazer este tipo de teste, mas, em alguns casos, pode fazer toda a diferença.

Neste artigo, explicamos o rastreio de embriões de forma simples: o que é, como funciona, para quem se destina, quais os benefícios, custos e preocupações mais comuns.

O que é o rastreio de embriões?

É um processo científico que permite aos embriologistas detetar alterações genéticas e/ou cromossómicas nos embriões criados durante um ciclo de FIV.

Compreender os cromossomas do embrião

Um embrião forma-se quando um espermatozoide fecunda um óvulo na trompa de Falópio. Após a fecundação, o embrião desce até ao útero, onde se implanta no endométrio.

Um embrião saudável tem 46 cromossomas: 23 herdados do espermatozoide e 23 do óvulo. Estes cromossomas contêm a informação genética necessária para o desenvolvimento e crescimento normal.

Mas, como explica o Dr. Vladimiro Silva, Diretor Científico da Ferticentro:

 

“por vezes, durante a fecundação, o embrião pode acabar com cromossomas a mais, a menos, ou com cromossomas danificados”.

 

Além disso, há casos em que os embriões transportam doenças genéticas herdadas ou alterações estruturais nos cromossomas.

Estas situações podem causar:

  • Falha na implantação (quando o embrião não se fixa corretamente ao útero e a gravidez não avança);
  • Aborto espontâneo;
  • Doenças genéticas como a síndrome de Down ou de Turner, ou doenças hereditárias como a fibrose quística.

“O rastreio de embriões ajuda a identificar estes problemas de forma precoce, antes da transferência para o útero”, acrescenta o Dr. Silva.

Imagem de um cariótipo humano que mostra a trissomia 21, característica da síndrome de Down, com três cópias do cromossoma 21 — alteração que pode ser detetada no rastreio genético de embriões durante a FIV

Esta imagem mostra um cariótipo humano com síndrome de Down, também conhecida como trissomia 21. Destaca a presença de três cópias do cromossoma 21 em vez das habituais duas – uma condição cromossómica que pode ser identificada durante o rastreio de embriões na fertilização in vitro.

Tipos de rastreio de embriões

Embora o PGT-A seja o tipo de rastreio mais conhecido, existem, na verdade, três tipos diferentes. Vamos explorá-los um a um.

Teste Genético Pré-implantação para Aneuploidias (PGT-A)

O PGT-A analisa o número de cromossomas dos embriões, identificando se existe algum a mais ou a menos. Estes problemas são mais comuns com o aumento da idade da mulher, sobretudo a partir dos 35 anos.

Como é que os embriões ficam com um número errado de cromossomas?

  1. Erros na formação do óvulo ou do espermatozoide:
    • Os óvulos e os espermatozoides formam-se através de um processo chamado meiose, que ocorre nos ovários e testículos.
    • Durante a meiose, as células reduzem o número de cromossomas para metade, originando gâmetas (óvulos ou espermatozoides) com 23 cromossomas cada.
    • Na fertilização, juntam-se para formar um embrião com 46 cromossomas.
    • Se algo correr mal durante a meiose, o óvulo ou o espermatozoide pode ficar com cromossomas a mais ou a menos.
  1. Erros durante a fecundação:
  • Quando o óvulo e o espermatozoide se juntam, podem ocorrer erros na distribuição dos cromossomas.
  • Isto pode resultar num embrião com número anormal de cromossomas (aneuploidia).
  1. Erros nas divisões celulares iniciais:
  • Após a fertilização, o embrião começa a dividir-se em várias células.
  • Erros nestas divisões podem fazer com que algumas células tenham o número errado de cromossomas.

Nestes casos, acontece o mosaicismo, ou seja, quando algumas células do embrião são normais e outras não.

Condições associadas a anomalias cromossómicas:

  1. Trissomias (cromossoma extra):
  • Síndrome de Down (Trissomia 21) – causada por uma cópia extra do cromossoma 21.
  • Síndrome de Edwards (Trissomia 18) – causada por uma cópia extra do cromossoma 18. Pode causar problemas graves no desenvolvimento e normalmente é limitadora.
  • Síndrome de Patau (Trissomia 13) – causada por uma cópia extra do cromossoma 13. Pode causar malformações graves, défices cognitivos profundos e também é limitadora.
  1. Monossomias (falta de um cromossoma):
  • Síndrome de Turner (Monossomia X) – afeta raparigas que têm apenas um cromossoma X. Pode causar baixa estatura, infertilidade e outros problemas físicos e de desenvolvimento.
  1. Alterações dos cromossomas sexuais:
  • Síndrome de Klinefelter (XXY): homens com um cromossoma X extra. Pode causar infertilidade, níveis baixos de testosterona e dificuldades de aprendizagem.
  • Síndrome do Triple X (XXX): mulheres com um cromossoma X a mais. Pode levar a maior estatura e dificuldades de aprendizagem.
  • Síndrome XYY: homens com um cromossoma Y extra. Pode estar associado a maior estatura e, por vezes, dificuldades ligeiras na aprendizagem.
  1. Mosaicismo:
  • Quando algumas células têm o número correto de cromossomas e outras não. Os efeitos variam consoante as células afetadas e os cromossomas específicos envolvidos.
  1. Consequências na gravidez:
  • Abortos espontâneos: muitos embriões com alterações cromossómicas não evoluem e resultam em abortos.
  • Falhas em ciclos de FIV: embriões com anomalias tendem a não implantar ou a parar de se desenvolver após a implantação.
  1. Problemas estruturais nos cromossomas:
  • Translocações, eliminações, inversões ou duplicações também podem comprometer o desenvolvimento do embrião e levar a aborto espontâneo ou doenças congénitas.

Quem deve considerar realizar o PGT-A?

  1. Mulheres com idade materna avançada:
  • Mulheres com 35 anos ou mais têm maior probabilidade de produzir óvulos com alterações cromossómicas (aneuploidias).
  • O PGT-A pode ajudar a identificar os embriões com o número correto de cromossomas, reduzindo o risco de aborto ou falha na implantação.
  1. Casais com histórico de abortos espontâneos recorrentes:
  • Abortos sucessivos são muitas vezes causados por anomalias cromossómicas nos embriões.
  • O PGT-A pode ajudar a identificar embriões geneticamente normais para a transferência, diminuindo o risco de mais um aborto.
  1. Casais com falhas repetidas em ciclos de FIV:
  • Muitas vezes, os embriões não se implantam devido a alterações cromossómicas.
  • O PGT-A permite selecionar os embriões mais viáveis, aumentando as hipóteses de uma implantação bem-sucedida.
  1.   Casais com infertilidade sem motivos aparentes:
  • As anomalias cromossómicas podem ser uma causa escondida para casos de infertilidade que parecem não ter motivos aparentes.
  • O PGT-A pode ajudar a perceber melhor a qualidade embrionária e melhorar as probabilidades de sucesso.

O PGT-A ajuda a selecionar embriões com o número correto de cromossomas, o que aumenta as hipóteses de uma gravidez saudável e reduz o risco de complicações.

Teste Genético Pré-implantação para Doenças Monogénicas (PGT-M)

Também conhecido como diagnóstico genético pré-implantação (PGD), é um teste feito durante a FIV para detetar doenças genéticas específicas nos embriões causadas por mutações num único gene.

Os genes são segmentos de ADN localizados nos cromossomas e contêm as instruções para produzir proteínas e regular processos biológicos.

Com o PGT-M, os médicos e especialistas em genética conseguem identificar embriões que não apresentam mutação, garantindo que apenas os embriões não afetados sejam transferidos para o útero.

Quando é que o PGT-M é recomendado?

O PGT-M pode ser indicado para pessoas ou casais que:

  1. São portadores de uma doença genética:
    Se um ou ambos os pais transportam uma mutação genética associada a uma doença monogénica (uma doença causada por mutações num único gene), o PGT-M pode ajudar a evitar a sua transmissão ao bebé.
  2. Têm histórico familiar de uma doença genética:
    Famílias com doenças hereditárias conhecidas podem usar o PGT-M para detetar a mesma condição nos embriões.
  3. Já têm um filho com uma doença genética:
    Se um casal tem um filho afetado por uma doença genética, o PGT-M permite identificar embriões não afetados para futuras gravidezes.
  4. Querem evitar a transmissão de doenças genéticas recessivas ou dominantes:
    O PGT-M é especialmente útil quando ambos os pais são portadores da mesma mutação recessiva, ou um dos pais tem uma mutação dominante.

Exemplos de doenças monogénicas detetáveis com o PGT-M:

  1. Doenças autossómicas recessivas (ambos os pais têm de ser portadores da mutação):
  1. Doenças autossómicas dominantes (basta um dos pais ter a mutação):
  1. Doenças ligadas ao cromossoma X (mutações herdadas da mãe, afetam sobretudo os filhos do sexo masculino):

Porque é que estas doenças são consideradas monogénicas?

Estas condições resultam de alterações num único gene. O PGT-M foi desenvolvido para detetar estas mutações antes da implantação, permitindo identificar os embriões que não são afetados.

Este teste reduz o risco de transmissão de doenças graves, aumenta as hipóteses de uma gravidez saudável e oferece aos pais a oportunidade de ter um filho sem a doença genética que carregam.

Teste Genético Pré-implantação para Reorganizações Estruturais (PGT-SR)

O PGT-SR é um teste feito durante o processo de FIV que permite identificar alterações estruturais nos cromossomas, como segmentos em falta, duplicações, trocas ou inversões. O objetivo é detetar embriões com estrutura cromossómica normal, o que aumenta as hipóteses de sucesso da gravidez e reduz o risco de aborto ou de problemas genéticos.

O que são reorganizações estruturais?

As reorganizações estruturais envolvem mudanças na forma como os cromossomas estão organizados. Podem ocorrer das seguintes formas:

  1. Translocações:
    • Translocações equilibradas: partes de um cromossoma trocam de lugar com partes de outro, sem perda nem ganho de material genético. A pessoa pode não apresentar sintomas, mas pode transmitir cromossomas desequilibrados aos filhos.
    • Translocações desequilibradas: durante a reorganização, há perda ou duplicação de material genético, o que pode provocar doenças genéticas ou complicações na gravidez.
  1. Eliminações:
    Uma parte do cromossoma está em falta, o que leva à perda de material genético.
  2. Duplicações:
    Uma parte do cromossoma está duplicada, o que resulta em excesso de material genético.
  3. Inversões:
    Um segmento do cromossoma está invertido. Pode não afetar a pessoa portadora, mas criar problemas durante a reprodução.
  4. Inserções:
    Um segmento de um cromossoma é inserido noutro cromossoma.

Quem deve considerar realizar o PGT-SR?

O PGT-SR é especialmente indicado para pessoas com reorganizações cromossómicas conhecidas, como translocações equilibradas, inversões ou duplicações.

Que problemas o PGT-SR pode ajudar a evitar?

Reduz o risco de:

  1. Complicações na gravidez:
  • Abortos recorrentes.
  • Falha na implantação durante a FIV.
  1. Doenças genéticas nos filhos:
  • Alterações cromossómicas resultantes de reorganizações desequilibradas (como monossomias ou trissomias parciais).
  1. Malformações congénitas ou atrasos no desenvolvimento:
  • Algumas reorganizações podem causar problemas físicos ou cognitivos.

Porque é que o rastreio de embriões é importante?

O rastreio de embriões permite detetar problemas que podem impedir o progresso de uma gravidez.

Alterações cromossómicas, como a aneuploidia, estão entre as principais causas de falhas em ciclos de FIV e abortos espontâneos.

Ao identificar estes problemas logo à partida, os médicos e pacientes podem evitar a transferência de embriões que têm poucas hipóteses de sucesso, poupando tempo, dinheiro e desgaste emocional.

 

Mulher grávida segura uma ecografia, representando uma gravidez conseguida após rastreio genético de embriões durante tratamento de fertilização in vitro (FIV)

 

Como é que o rastreio de embriões funciona?

O processo é semelhante para os três tipos: PGT-A (aneuploidias), PGT-M (doenças monogénicas) e PGT-SR (reorganizações estruturais):

  • Criação dos embriões por FIV: Os óvulos são fecundados com espermatozoides em laboratório para formar embriões.
  • Biópsia: Algumas células com 5 ou 6 dias de desenvolvimento (na fase de blastocisto) são recolhidas cuidadosamente da camada exterior do embrião. Depois, o embrião é vitrificado (congelado) e armazenado em segurança enquanto se aguardam os resultados do teste (normalmente entre 4 e 6 semanas).
  • Análise genética:
    • PGT-A: verifica anomalias cromossómicas como falta ou excesso de cromossomas.
    • PGT-M: analisa mutações em genes específicos associados a doenças hereditárias.
    • PGT-SR: deteta alterações estruturais como translocações ou inversões.
  • Transferência embrionária: São selecionados os embriões saudáveis para serem transferidos para o útero.

Este processo não prejudica o embrião e ajuda a aumentar as hipóteses de uma gravidez saudável.

O que acontece durante a biópsia?

Durante a biópsia, o embriologista usa um instrumento fino para retirar algumas células da trofoectoderme, a camada externa do blastocisto. Estas células vão formar a placenta e não o bebé. Este procedimento não interfere com o desenvolvimento embrionário.

O debate em torno dos rastreios de embriões

O uso do PGT-A na FIV tem gerado alguma controvérsia na área da medicina da reprodução.

Enquanto outros testes genéticos pré-implantação (como o PGT-M e o PGT-SR) são amplamente aceites, alguns especialistas manifestam preocupações quanto à promoção generalizada do PGT-A, especialmente quando não são explicadas as suas limitações.

A verdade é que o PGT-A pode ser uma ferramenta extremamente útil para detetar alterações cromossómicas e aumentar as hipóteses de uma gravidez bem-sucedida.

No entanto, em países onde a regulação é menos rigorosa, como nos Estados Unidos, algumas clínicas promovem o PGT-A a todos os pacientes de FIV, mesmo quando não é necessário.

Embora o PGT-A possa ser particularmente benéfico para mulheres com mais de 37 anos, com maior probabilidade de gerar embriões com anomalias cromossómicas, não é indicado para todos os casos.

A verdade é que o PGT-A não é aconselhado para todos os casos. É mais indicado para:

  • Mulheres com 37 anos ou mais, já que o risco de alterações cromossómicas aumenta com a idade (aos 40 anos, mais de 50% dos embriões podem ter anomalias);
  • Casais com histórico de abortos espontâneos sucessivos;
  • Pacientes com falhas em ciclos anteriores de FIV;
  • Casais com problemas genéticos ou cromossómicos conhecidos.

Se é mais jovem e não apresenta estes fatores de risco, o PGT-A pode não ser necessário no seu caso.

O que o PGT-A não consegue fazer

Apesar de oferecer várias vantagens, o PGT-A também tem limitações. Eis o que deve saber:

  • Não oferece garantias: melhora as probabilidades, mas não assegura uma gravidez ou um bebé saudável;
  • Não é para todos os casos: pode não trazer benefícios para mulheres mais jovens ou sem fatores de risco;
  • Tem um alcance limitado: foca-se apenas em problemas cromossómicos e não deteta todas as doenças genéticas;
  • Não melhora a qualidade do embrião: se um embrião for saudável, já é viável. Se já tiver um problema genético, o teste não o melhora. Mas o que o PGT-A consegue fazer é ajudar a engravidar mais rapidamente. Para além disso, ajuda a equipa médica e pacientes a tomar decisões mais informadas sobre os tratamentos e testes futuros.

Perguntas para fazer ao seu médico sobre o rastreio de embriões

Se está a considerar fazer um rastreio de embriões, coloque as seguintes questões:

  • O rastreio de embriões é indicado para o meu caso específico?
  • Quais são as minhas probabilidades de uma gravidez de sucesso, tendo em conta a minha idade?
  • Quais são os riscos e limitações deste teste?
  • Como é que o rastreio vai influenciar o meu plano de FIV?
  • O que acontece se nenhum embrião for considerado viável após o teste?
  • O que é feito aos embriões que não forem selecionados?

Últimas considerações

O rastreio de embriões pode ser um passo importante para muitos pacientes de tratamentos de FIV. Ajuda a identificar embriões com alterações cromossómicas ou genéticas e a aumentar as hipóteses de uma gravidez saudável.

Embora não seja necessário para todos os casos, pode fazer uma diferença significativa para quem tem mais de 37 anos, histórico de abortos espontâneos, falhas em ciclos de FIV anteriores ou doenças genéticas na família.

Ao compreender o seu funcionamento e ao colocar as questões certas, pode tomar decisões mais informadas sobre se esta é a melhor opção para si e para o seu objetivo de criar uma família.

Se tiver dúvidas, contacte-nos para falar com um dos nossos especialistas em fertilidade. Estamos aqui para o ajudar a tomar decisões informadas.