Todos os dadores – os de sangue, os de medula, os de órgãos – são pessoas com características especiais. Dão algo de si para ajudar o outro, seja ele conhecido ou desconhecido, perdem algum do seu precioso tempo, e por vezes, chegam a sofrer efeitos adversos indesejados dessa doação. Todavia, há um tipo de dadores que nos merece especial destaque: os dadores de gâmetas.
A doação de gâmetas é um procedimento em que uma mulher (dadora) ou um homem (dador) doam o seu material genético (ovócitos/esperma), de forma a possibilitarem que outra mulher ou casal infértil (recetores) sejam pais de uma criança.
Por outras palavras, os dadores de gâmetas ajudam a criar vida e contribuem para que outros concretizem o sonho de terem filhos, o que de outra forma seria difícil ou mesmo impossível. “Mas quem se disponibiliza para um ato destes?”, pergunta o leitor legitimamente.
Para alguns, a motivação pode ser em grande medida económica (as dadoras de ovócitos recebem uma compensação monetária de 878€ e os dadores de esperma de 44€, pelos gastos e transtornos decorrentes da doação), ou funcionar como um “click” para a decisão de doar (“estou a ajudar e ainda recebo por isso”, referem muitas vezes), mas há outros para quem a compensação monetária é indiferente e só tomam conhecimento que têm direito a ela quando contactam a Ferticentro. É quase sempre a vontade altruísta e o sentido de humanidade e de dever, que move estas pessoas.
Ao contrário do que a nossa mente possa fantasiar ou estereotipar acerca do perfil dos dadores de ovócitos e de esperma, eles são, habitualmente, jovens e adultos informados, escolarizados, gostam de viajar, têm preocupações sociais e querem fazer a diferença no mundo.
Muitos conhecem pessoas com passado de infertilidade, ou têm já filhos e querem poder ajudar a que outros também tenham essa experiência.
A decisão de doar é quase sempre pessoal, mesmo quando existem relações de intimidade. Nas situações de relacionamentos duradouros, os dadores geralmente partilham a sua decisão com os parceiros, cujo apoio é importante mas não decisivo. “É uma decisão minha, quer tenha apoio ou não”, referem. Existem até casais que decidem ser ambos dadores e grupos de amigos que se motivam a doar.
Todavia, os dadores lamentam muitas vezes não poderem falar abertamente sobre o assunto entre familiares, amigos e conhecidos, por receio de preconceito e incompreensão dos outros (“A sociedade não está preparada para falar sobre isto”, “Gostava de poder dizer a toda a gente sem ouvir comentários depreciativos”, “Fiz algo normal e não tenho problema em assumir, mas já sei que não me vão entender”).
Além de terem de se deslocar à clínica algumas vezes, estes dadores sabem que podem ocorrer efeitos adversos (são raros e toleráveis, mas não são impossíveis de acontecer), como dores, ansiedade, indisposições, irritabilidade, entre outros.
Até há pouco tempo atrás, todo o processo era confidencial em Portugal. Mas, na sequência do Acórdão Nº 225/2018 de 24 de abril do Tribunal Constitucional, os dadores de gâmetas deixaram de ser anónimos, o que significa que, caso uma criança nasça fruto da doação de um dador, ela poderá ter acesso ao nome desse dador, após completar 18 anos.
É importante ressalvar que os dadores de gâmetas não têm quaisquer responsabilidades, direitos ou obrigações parentais sobre as crianças nascidas da sua doação, ou seja, nunca serão pais dessas crianças.
Após a entrada em vigor da Lei do Não Anonimato, o número de dadores de esperma e ovócitos - espante-se - aumentou.
Estes “novos dadores” compreendem e respeitam o direito de as crianças quererem conhecer a sua identidade pessoal e encaram com naturalidade a hipótese de um dia poderem vir a ser contactados (“Se isso acontecer, não tenho problema em receber a pessoa e conversar”, afirmam). Mesmo para quem não concorda totalmente com o não anonimato, isso não é suficiente para os demover do seu gesto altruísta.
A Ferticentro dispõe de um banco de esperma e de um banco de ovócitos próprios, no qual existem centenas de amostras de dadores de todas as origens étnicas, de modo a ser possível a atribuição de um dador com características físicas o mais próximas possível das do casal ou mulher receptora.
Antes de serem admitidos como dadores na Ferticentro, os candidatos são sujeitos a um rigoroso processo de avaliação da sua saúde física e psicológica, de forma a garantir a sua segurança, a dos receptores e a da criança.
Apesar de não haver comunicação entre dadores e receptores, quando questionados sobre a mensagem que gostariam de lhes deixar, se pudessem, os dadores são unânimes: “Disfrutem ao máximo dessa criança”, “Façam valer a pena todo o vosso sofrimento”, “Muita sorte”, “Dêem-lhe muito amor”, “Sejam muito felizes”, “Não compliquem, aproveitem a vida”.
Se considerarmos que estes dadores têm entre os 18 e 35 anos (no caso das mulheres), e entre os 18 e 45 anos (no caso dos homens), então estamos perante uma geração de adultos que acredita na ciência, com sentido de bem comum, e na qual ainda vale a pena ter esperança.
Saiba mais sobre a doação de gâmetas:
Doação de ovócitos: https://www.soudadora.pt/
Doação de esperma: https://www.doaresperma.pt/
Margarida Fonseca, psicóloga da Ferticentro